Quem Fez Deus?
1949, aproximadamente
O enigma da Criação de Deus e de como Ele próprio foi criado, altíssimo e onipotente, tem sido considerado por todos os corações que almejam conhecê-Lo. Nenhuma escritura elucidou por completo essas questões aparentemente irrespondíveis. Mas, se você refletir e procurar ter a perceção integral do assunto conforme eu o descrever, encontrará as respostas a essas questões – respostas que recebi das profundezas de minha alma e de Deus.
O Infinito, Deus, é a causa suprema de toda a criação finita. Ele projeta o poder de maya – a ilusão de que o Um se tornou muitos. Essa tempestade de relatividade ilusória, soprando sobre o oceano do Ser Divino e de Seu desejo vibratório de criar, faz com que se manifestem as ondas da criação finita. “Embora não nascido e de Essencia imutavel, ao tornar-Me, todavia, o Senhor de toda a criação, e residir em Minha própria Natureza Cósmica (Prakriti), corporifico-Me pela ilusão de maya que se desenvolveu a partir do ser.”1
Manifestando-Se como a criadora Vibração Cósmica Inteligente e valendo-Se da tempestade da relatividade ilusória, Deus faz surgir de Si mesmo todas as ondas vibratórias e finitas da mente, da energia e da matéria: electróns, prótons, átomos, moléculas, células e blocos de matéria sólida – aglomerados de universos-ilhas flutuando na esfera do espaço, cercados por radiações errantes. Assim, a Vibração Cósmica Inteligente é a primeira causa manifestada de todas as coisas criadas, embora as diferentes formas finitas da matéria sejam coisas criadas ou causadas secundariamente, pela disposição e combinação de certas formas básicas: células derivam de moléculas, moléculas de átomos, átomos de eletróns e prótons, elétrons e prótons de vitátrons, e vitátrons de ideátrons2 do Infinito.
A criação existe e é causada por Deus; logo. Deus existe. Podemos dizer que a criação inteligente existe por causa de um Deus inteligente. Mas quem criou Deus, do Qual ceio todo o resto? O próprio Infinito.3
A lei da causalidade aplica-se apenas a objetos finitos; não ao Infinito. Assim como todas as ondas do oceano dissolvem-se no oceano, todos os objetos finitos oriundos das causas finitas acima mencionadas voltam a diluir-se em sua Origem Eterna. Analogamente, a lei da causalidade opera externamente na criação, mas se invalida no Infinito.
Pela lei da causalidade, os nosso pais originais – criações finitas conhecidas como Adão e Eva, que foram, por sua vez, criações especiais do Infinito – ajudaram a criar toda a humanidade. Visto que fomos gerados por nosso pais – e nossos pais por nosso avós, e toda a humanidade por Adão e Eva – indagamos quem criou Deus. Aplicamos ao Infinito a lei da causalidade que nos criou. Trata-se de um erro de raciocínio.
Perspetivas Diversas
No embalo das ondas do mar, você não pode ter a perspetiva do oceano como um todo; mas, do ar, você tem a visão panorâmica da imensidão oceânica. Assim também, concentrado e imerso na criação, você nada vê além dela e da lei de causalidade em atuação. Quando, porém, com os olhos fechados, você aprende a interiorizar-se, não vê as formas finitas nem a lei que as criou, mas vislumbra o Infinito, sem forma e sem causa.
Na gélida região vizinha ao Pólo Norte, um esquimó que caçava focas ergueu os olhos e viu aproximar-se um viajante hindu.
– De onde veio, amigo? – perguntou ele.
– Minha pátria é a Índia – respondeu o forasteiro.
– Não diga! – disse o esquimó. – Vocês, hindus, têm fartura de boa carne de foca na Índia?
– Oh, não, não temos focas – respondeu, divertido, o visitante.
– Os hindus vivem principalmente de vegetais.
“Que absurdo”, pensou o esquimó. “Ninguém pode sobreviver sem carne de foca!”
Assim como o esquimó, por não conhecer outra dieta, pensava que todas as pessoas comiam carne de foca, também as criaturas finitas, criadas pela lei da causalidade, naturalmente pensam que Deus Infinito também passou a existir graças à mesma lei.
O Espírito está livre de causalidade
Portanto, os seres humanos finitos, nascidos de causalidade, cometem um erro crasso ao perguntarem: “Quem fez Deus?” O Infinito fez a lei da causalidade que criou todas as coisas finitas, embora o Infinito existe por Si mesmo, sem ter sido causado. Assim como um monarca absoluto pode fazer todas as eis do seu reino sem submeter-se a elas, O Rei do Universo faz todas as leis do Seu reino, inclusive a lei da causalidade que governa a criação finita; mas Ele não está sujeito às Suas leis. Eu, o Imanifestado, permeio o universo inteiro. Todas as criaturas moram em Mim, Mas Eu não habito nelas.”4
Embora presente em todas as coisas, Deus absolutamente não está preso à finitude.
Logo, o Infinito é. Deduzimos a Sua existência e omnipotência a partir das Suas poderosas manifestações na criação. O Seu poder está plenamente ativo no estado de manifestação. E durante a dissolução cósmica, todo o poder, inteligência cósmica e lei de causalidade tornam-se inativos e dissolvem-se no Absoluto, para ali aguardar o próximo ciclo de manifestação criadora de Deus. As forças da tempestade, criadoras de agitação no oceano, manifestam-se nas ondas. Mas nenhum poder se manifesta quando há calmaria no oceano. De maneira parecida, no estado criativo, o Infinito manifesta inteligência, mente, vibração, forças e matéria. E no estado imanifestado, o Infinito existe apenas como Espirito, no qual todas as forças jazem dissolvidas. Do espaço vem a luz, as nublosas e as mudanças atmosféricas, e no espaço dissolvem-se e ocultam-se outra vez. Essa esfera situada além da manifestação é o esconderijo do Espírito.
Assim, o Infinito, além das categorias vibratórias de inteligência, energia, espaço e tempo, é uma coisas em Si mesmo. Pode ser sentido e conhecido como o Poder eterno que existe sem começo nem fim. A criação é causada por Deus, mas Deus simplesmente é. Ninguém, nada fez Deus – Ele foi e será, para todo o sempre. “Ó Arjuna! nada existe acima ou além de Mim. Todas as coisas (criaturas e objetos) estão ligados a Mim como uma fiada de pérolas a barbante.”5
Isso não pode ser compreendido enquanto você se considerar um ser criado, sujeito às leis de causa e efeito. Mas, quando se unir a Deus, no êxtase, saberá exatamente como e o que Deus é – Sem-Principio, Sem-Fim, Sem-Causa. Então, unido a Ele, saberá que também é o Eterno Sem-causa. Como ser humano mortal, você é uma criação de Deus; como homem imortal de realização, saberá que é uma onda no oceano de Deus, a Consciência Cósmica primeira e única, auto-suficiente e sempre existente.
1 Bhagavad Gita IV:6.
2 Lit. thoughtrons: nome dado por Paramahansa Yogananda. À primeira e mais subtil manifestação da vibração criadora que emana do Espírito; as ideias primordiais que dão origem a toda a matéria. Ideatrons compõem o universo causal ou ideativo, do qual emana o universo astral de vitatrons [lifetrons], energia vital inteligente; do qual, por sua vez, emana o universo físico de energia atómica densa.
3 “Então, não havia Não-Ser, nem o Ser.(…)
O Um respirava, na ausência de ar, por sua própria força.
Além disso, nada mais existia.(…)
A raíz do Ser foi encontrada no Não-Ser pelos sábios,
Que a buscaram com o entendimento em seus corações.”
Rig Veda X:129.
4 Bhagavad Gita IX:4.
5 Bhagavad Gita VII:7.
Extrato do livro “A Eterna Busca Do Homem“, pág. 354 a 357, escrito por Paramahansa Yogananda