“Não. A indagação “Quem sou eu?” não é para ser usada como um mantra.”
O homem, como tal, é uma criação da mente dos opostos que apenas surge na vigília e no sonho.
Assim, ele só está capaz de ter períodos de percepção, de si e de tudo o que o cerca, quando se encontra nesses dois estados mentais.
Durante o sono–profundo, essa percepção desaparece e, com ela, ele próprio, pois, na natureza, só a consciência contínua passa nesse estado por possuir existência própria.
O sono-profundo não filtra o que é manifestação (o que é criado).
Nos estados de vigília e sonho, devido ao fluxo avassalador de pensamentos que os caracteriza, a consciência está impedida de aflorar continuamente.
E, normalmente, o homem ou desconhece que a sua verdadeira natureza é ser consciência permanentemente, ou, caso já tenha alguma compreensão dela, vive o dia-a-dia impossibilitado de a alcançar.
Desse modo, a condição de ser humano é sempre a de não–realizado.
O realizado, pelo contrário, já superou a condição humana, ou seja, não vive “aprisionado” na ilusão tecida pelos três estados da mente dualística: vigília, sonho e sono–profundo.
Assim, o iluminado “reassumiu” para sempre a consciência permanente, isto é, transcendeu não só as fases alternadas de consciência e inconsciência que caracterizam a vigília e o sonho, como também a total inconsciência do sono-profundo.
Nele, a mente dos opostosdesapareceu.
A noção de estar separado, a individualidade, esfumou–se.
É Consciência Pura, o Absoluto.
“Devoto:
‘Por favor, explique-me: como realizar o EU?’
‘Devo repetir ‘Quem sou eu?’como um mantra?’
Ramana:
‘Não.
A indagação ‘Quem sou eu?’ não é para ser usada como um mantra.’
‘A autoinquirição(‘Quem sou eu?’) é um método diferente da meditação ‘eu sou Shiva’ ou ‘eu sou Ele’.
Eu prefiro enfatizar o autoconhecimento, pois tu estás primeiro preocupado contigo mesmo, e depois em conhecer o mundo e o seu Senhor.
A meditação ‘eu sou Ele’ ou ‘eu sou Brahman’ é, mais ou menos, um processo mental, enquanto a busca pelo Eu, de que eu falo, é um método directo e, de facto, superior a essas meditações.
Pois assim que tu tomas a busca e começas a aprofundar-te, o Eu Real está aí à espera para te receber; e, então, tudo o que acontece é feito por algo além, e tu não contribuis para isso.
Neste processo todas as dúvidas são postas de lado, assim como aquele que vai dormir esquece-se, temporariamente, de todas as preocupações.
Apesar de as escrituras proclamarem ‘Tu és AQUILO que é chamado de Supremo’, é apenas um sinal de fraqueza mental meditar ‘Eu sou Aquilo, e não isto [o corpo, sentidos, mente, etc.]’, pois tu és Aquilo eternamente.
O que precisas defazer é investigar o que tu és, e permanecer como AQUILO (Aquilo do sânscrito tat: o Absoluto, infinito e sem atributos).
Apenas se surgir o pensamento ‘eu sou um corpo’ é que a meditação ‘Eu não sou isto [o corpo], sou Aquilo’ pode ajudar-te a permanecer como Aquilo.
Porque é que deveríamos ficar a meditar infindavelmente ‘Eu sou Aquilo’?
É necessário a um homemficar a pensar ‘eu sou um homem’?
Nós já não somos Aquilo?’
From the book Ramana Maharshi in his own words, Pages 162 e 163
O aspirante à consciência plena pode e deve dedicar particular atenção aos delicados, e muitas vezes despercebidos, períodos de consciência na vigília do seu quotidiano.
Com toda a acuidade.
Mais concretamente, ao pensar e nos intervalos entre os pensamentos, buscar e aprofundar estar (ser) sempre consciente.
Servindo-se da dádiva da vontade.
A quantidade de tempo diário dedicado à restauração dessa continuidade deve ser robustamente progressiva.
Trata-se do tempo forte de contemplação da fonte do “eu”, a Consciência Pura.
E, na razão directa da aplicação de esforço e paciência, atrair para si o estado de consciência omnipresente.
A essência de ser.
Assim se passa com a inquirição “Quem sou eu?”.
A mente dos sentidos nunca deve ser deixada ao acaso.
Consenti-lo, é tempo desperdiçado que deverá ser preenchido permanentemente com a busca persistente da consciência maior com a autoinvestigação.
E ganhar a habilidade de se estabelecer aí, na fonte.
De facto, sem consciência, a mente dos sentidos vagueia sem percepção nos domínios da floresta cerrada de pensamentos e emoções errantes.
E tanto será o mesmo, se essa mente papaguear “Quem sou eu?” sem consciência da intenção de se fixar na fonte do “eu”.
Então, é imprescindível desenvolver a atitude mental maturada na convicção e no respeito devido ao Transcendental.
De forma séria, compenetrada e objectiva.
A condição de não–realizado caracteriza-se por fases de consciência que alternam com outras de inconsciência, infelizmentede maior expressão.
Mas está ao alcance do ser humano conduzir(programar) a sua mente a estabelecer-se na consciência de estar (ser) sempre consciente.
Ou seja, mergulhar para se diluir na consciência de “eu” (de existir, ser).
A vocação mental, assim adquirida como um hábito, torna-se numa rotina que coopera no crescimento consciente da consciência.
Aliada.
Facilitadora do alongamento progressivo da consciência de ser consciência.
Não há como fazê-lo de outra forma senão, por qualquer meio, ter consciência da vontade (atma) de unir as fases de consciência numa só.
“Ramana:
‘O Eu Real é Pura Consciência.
Porém, a pessoa identifica-se com o corpo que é insensível.
O corpo não diz ‘eu sou o corpo’.
O Eu ilimitado também não faz.
Alguém diz ─ quem é?
Um ‘eu’ imaginário surge entre a Pura Consciência e o corpo inerte e imagina–se limitado ao corpo.
Busca esse ‘eu’ e ele desaparecerá como um fantasma.
Esse fantasma é o ego, a mente, ou a individualidade.
Todas as escrituras baseiam-se no surgimento desse fantasma, cuja eliminação é o seu objectivo.
O estado presente é uma mera ilusão; a dissolução desta é a meta, e não qualquer outra coisa.’
Devoto:
‘Como realizar o EU?’
Ramana:
‘Eu de quem?
Descobre!’
Devoto:
‘Meu!Mas quem sou eu?’
Ramana:
‘És tu que deves descobrir.’
“Devoto:
‘Eu não sei.’
Ramana:
‘Quem diz: ‘eu não sei’?
Quem é o ‘eu’ na tua afirmação?
O que não é sabido?’
Devoto:
‘Algo ou alguém em mim.’
Ramana:
‘Quem é esse alguém?
Em quem?’
Devoto:
‘Talvez algum poder…’
Ramana:
‘Descobre!’
Devoto:
‘Porque é que eu nasci’
Ramana:
‘Quem nasceu?
A resposta é a mesma para todas as perguntas.’
Devoto:
‘Então, quem sou eu?’
Ramana:
(Rindo)‘Tu vieste aqui para me interrogar?
Tu deves descobrir quem tu és.’
Devoto:
‘Por mais que eu tente, não pareço conseguir agarrar o ‘eu’.
O ‘eu’ nem mesmo é perceptível claramente.’
Ramana:
‘Quem é que diz que o ‘eu’ não é perceptível?
Por acaso existem dois ‘eus’ em ti, para que um não seja perceptível ao outro?’
Devoto:
‘Em vez de investigar ‘Quem sou eu?’, posso perguntar-me ‘Quem é o senhor?’, para que assim a minha mente permaneça fixada em si, que eu considero Deus sob a forma de Guru?
Talvezeuficarei mais perto do objectivo da minha busca, se eu fizer essa pergunta em vez de me interrogar‘Quem sou eu?’’
Ramana:
‘Qualquer que seja a forma que a tua investigação tome, no final, tu deves retornar ao Eu único, ao Ser.
Todas essas distinções feitas entre ‘tu’ e ‘eu’, ‘mestre’ e ‘discípulo’ são apenas sinais de ignorância.
Apenas o Eu supremo é ─ pensares diferentemente é iludires-te.
Portanto, como o teu objectivo é transcender, aqui e agora, essas superficialidades, através da autoinquirição (‘Quem sou eu?’), onde haverá espaço para fazer distinções entre ‘tu’ e ‘eu’, sendo que estas pertencem apenas ao corpo?
Quando tu voltas a tua mente para o interior, buscando a fonte do pensamento, onde está o ‘tu’ e onde está o ‘eu’?
Tu deves buscar e ser o Eu que inclui todas as coisas.’
Devoto:
‘Mas não é engraçado que o ‘eu’ deva buscar o ‘eu’ [isto é, a si mesmo]?
A investigação ‘Quem sou eu?’ não resultará afinal numa fórmula vazia?
Ou devo ficar a repetir a pergunta a mim mesmo, interminavelmente, como um mantra?’
Ramana:
‘Certamente, a autoinquirição não é uma fórmula vazia; e ela é mais do que a mera repetição de mantras.
Se a autoinquirição ‘Quem sou eu?’ fosse um mero processo mental, aí, então, ela não teria muito valor.
O propósito da autoinquirição é focar toda a mente na sua fonte.
Não é, portanto, o caso de um ‘eu’ a buscar outro ‘eu’.
Muito menos é ela uma fórmula vazia, já que envolve uma intensa actividade de toda a mente para se manter estabelecida na pura Autoconsciência.
A autoinquirição é o método infalível; o único método directo de realizar o Ser absoluto e, na realidade, és.’
From the book Ramana Maharshi in his own words, Pages 146, 147 e 148
O “eu” original é o elemento primordial que cintila como a Consciência “Eu sou Aquilo”.
Assim, a pesquisa dafontedo“eu” é o caminho mais curto e directo para se permanecer sempre consciente.
Para essa busca, a mente deve ser conduzida totalmente unifocada num único pensamento: o “Quem sou eu?”.
E trabalhar com denodo no desenvolvimento da consciência do sentimento de“eu” (de ser, existir).
De facto, a consciência é o Transcendental, o núcleo central e incomensurável onde se mergulha sem condição.
“Ramana:
‘Concentrar não é pensar em algo.
Pelo contrário, é excluir todos os pensamentos, já que todos os pensamentos obstruem a experiência do verdadeiro ser da pessoa.
Todo o esforço tem por objectivo apenas remover o véu da ignorância.’
‘Concentrar a mente apenas no Eu Real resultará em Felicidade ou Bem-Aventurança.
Voltar os pensamentos para o interior, restringindo–os, e evitando que eles se desviem para fora, é chamado de desapego (vairagya).
Fixar a consciência no Eu Real é prática espiritual (sadhana).
Concentrar-se no Coração e no Eu Real é equivalente─ ‘Coração’ é um outro nome para o Eu Real.’
‘…. Mas o ‘eu’ surge doCoração e, para se alcançar a Autorrealização, ele deve retornar ao Coração.
Seja como for, essa foi a minha experiência.
Sabe que a Autoconsciência pura e imutável do Coração é o Conhecimento que, através da destruição do ego, dá a Libertação.
O corpo é inerte como um boneco de barro.
Como o corpo, em si mesmo, não tem a consciência – ‘eu’, e como no sono, onde não há corpo, nós experimentamos, diariamente, a nossa existência natural [‘eu sou’], o corpo não pode ser o ‘eu’.
Quem é, então, que causa o sentimento de ‘eu’?
0nde está ele?
Na cavidade do Coração daqueles que assim investigam, e que conhecem e permanecem como Eu Real, o Senhor Arunachala – Shiva brilha, Ele mesmo, como a Consciência ‘eu sou Aquilo’.
Devoto:
‘O Bhagavan ensina que o Coração é o centro do Eu Real?’
Ramana:
‘Sim, é o centro supremo do Eu.
Tu não precisas de desconfiar disso.
O Eu Real está lá no Coração por trás do ego(o eu falso).’
‘ …. O Coração está lá, sempre aberto para ti, se tu quiseres entrar; embora não percebas, ele está sempre a servir de base aos teus movimentos.
Talvez seja mais correcto dizer que o Eu Real é o Coração.
Realmente, o Eu é o centro e Ele está sempre consciente de Si mesmo como sendo o Coração ou Autoconsciência.’
From the book, Ramana Maharshi in his own words, Pages 152, 153 and 154
“Ramana:
‘O pensamento – ‘eu’ é como um fantasma que, apesar de ser impalpável, surge simultaneamente com o corpo, vive e desaparece juntamente com ele.
A consciência ‘eu sou o corpo/este é o meu corpo’ é o falso ‘eu’.
Abandona–a.
Tu podes fazer isso, buscando a fonte do sentimento ‘eu’.
O corpo não diz ‘eu sou’.
És tu quem diz ‘eu sou o corpo’.
Descobre o que é este ‘eu’; busca a sua fonte e ele desaparecerá.’
From the book Ramana Maharshi in his own words, Page143
“Ramana:
‘…. Quando a atenção está voltada para os objectos e o intelecto, a mente toma conhecimento só daquilo.
Este é o nosso estado presente.
Mas quando tentamos encontrar o SER dentro de nós, tornamo–nos conscientes exclusivamente disso.
Logo, toda a questão está na atenção.
A nossa mente que, por tão longo tempo, estava voltada para as coisas externas, por fim, ficou escravizada e arrastada para aqui e acolá…’
‘….Se a mente vaguear, devemos, ao mesmo tempo, consciencializar que não somos o corpo e fazer a pergunta:
‘Quem sou eu?’.
A mente tem de regredir para estar consciente do SER…’
From the book Conscious Immortality, Dialogue with Ramana Maharshi, Page 19